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Roncesvalles – Larrasoaña (26,5 km)

Levantei cedo e enquanto via todos os peregrinos se prepararem e iniciarem seus caminhos, guardei meu saco de dormir, arrumei minha mochila e fui sentar em um bar em frente ao albergue para esperar minha bicicleta, me perguntando se de fato ela chegaria.

Junto comigo estava uma outra brasileira, Beth, que havia pago para um peregrino trazer a mochila dela de Saint Jean (França), pelos 27 km que separam essa cidade de Roncesvalles, pois segundo ela, estava muito pesada. E como ele ainda não havia chegado, ela me fez companhia.

Logo depois, por volta das 8h, uma espécie de van chegou, trazendo minha bicicleta. Eu estava do outro lado da rua, quando vi que eles se aproximaram do albergue, e descarregaram a caixa. Atravessei a rua e disse que a bicicleta era minha. Sem me perguntar ou pedir nada, me entregaram a caixa. Comecei a montar a bike, que evidentemente, estava desmontada na caixa e consegui essa façanha com facilidade, já que havia feito uma aula para aprender dicas rápidas de montagem e conserto, na loja onde havia comprado, no Rio de Janeiro.

Enfim, depois dessa etapa, comecei a pedalar por volta das 09h30. Era o primeiro dia e já estava achando a etapa muito dura. Praticamente não pedalei, empurrei ou carreguei a bike quase todo o tempo. Era muita pedra, pau e lama e era impossível pedalar.

Em um dado momento, me lembro que estava em um descampado, completamente sozinha e tive uma sensação de liberdade tão grande e até um pouco inexplicável. Eu estava do outro lado do mundo, muito longe de casa, sem nenhum amigo, sem contato com ninguém, vivendo novas experiências e aberta a novos conhecimentos, cheiros, gostos, sabores...Estava amando a experiência e a oportunidade.

Em um ponto, encontrei um grupo de 5 espanhóis ciclistas e um deles, Roberto, me chamou para me juntar a eles e foi muito gentil, me acompanhando durante um tempo. Logo depois achei que eles estavam correndo demais por entre as árvores do bosque e como não era a minha expectativa, me despedi e continuei meu caminho sozinha, no meu ritmo. Não estava ali para acompanhar ninguém. Estava curtindo meu tempo e minha solitude.

Quando estava chegando numa espécie de corredeira sobre uma laje, fui tentar passar, montada na bicicleta, mas fui levada pela água, escorreguei, caí, bati a cabeça no chão e quebrei os óculos de sol. Fui prontamente atendida por um grupo de peregrinos que tinha entre eles um médico. Como o corte estava sangrando muito, ele fez um curativo com band-aid e esparadrapo. Outra pessoa me deu arnica e outra ainda me fez deitar para descansar um pouco. Um canadense improvisou uma faixa com a sua bandana, para parar o sangramento na cabeça. Acho que a pressão caiu e fiquei completamente tonta. Fiquei um tempo sentada, esperando a sensação de fraqueza e tontura passarem.

Logo depois me levantei, disse que estava bem e resolvi seguir viagem, mas a cabeça começou a latejar e doer muito, por causa do esforço de pedalar, ladeira acima. Resolvi fazer uma parte da viagem pela estrada, um tempo, até recuperar as forças. Depois voltaria para a trilha. Fiquei preocupada de fazer muito esforço com aquela sensação de cabeça rodando.

Desviei o caminho para a estrada, peguei uma subida horrível e em dado momento resolvi parar no acostamento e sentar no chão, pois a cabeça continuava doendo e latejando. Estava ali parada na beira da estrada, meio que praguejando pelo azar no primeiro dia e com medo de ter estragado a viagem por causa desse acontecimento.

Um ciclista espanhol passou por mim, descendo, do outro lado da pista e perguntou se eu estava bem. Respondi que sim e ele seguiu viagem. Passados uns 2 minutos, ele voltou subindo, parou ao meu lado e disse para eu subir na bicicleta. Agradeci e disse que estava bem, mas ele insistiu para que eu subisse. Resolvi obedecer, já que parecia que ele não ia sair dali se eu não fizesse o que ele estava pedindo.

Ele foi um anjo e mudou seu caminho só para me acompanhar por uns 3 km ladeira acima, me incentivando, não me deixando parar quando eu dizia que estava cansada e quando eu disse que não aguentava mais, ele começou a empurrar as minhas costas e não me deixou parar. Sem ele não teria chegado. Ele me deixou no alto de um monte, onde a estrada cruzava com a trilha, disse que eu já poderia seguir meu caminho, virou-se e foi embora. Eu nem consegui perguntar seu nome. Fiquei muito agradecida e impressionada com a atitude de alguém que nunca havia me visto e que havia mudado seu caminho só para me ajudar, sem esperar nada em troca.

Entrei na trilha, segui o caminho e chegando à Zubiri encontrei o gaúcho Fernando, que havia conhecido no dia anterior, no albergue em Roncesvales. Seguimos juntos, conversando e ele foi outro anjo em meu caminho, me cedeu o seu cajado e empurrou a minha bike por quase 4 km. Encontramos uma grande escadaria de madeira e eu olhei aqueles degraus todos, preocupada em como carregaria 14 kg até lá embaixo. Ele tirou a bicicleta das minhas mãos e a carregou nos ombros.

Chegamos a Larrasoaña, embaixo de muita chuva, completamente molhados e exaustos. Eu com uma bandana, esparadrapos e band-aids na cabeça, parecendo uma pirata. Encontramos o Zé parado na frente do albergue, nos aguardando e ele havia conseguido reservar uma cama para mim dizendo que eu era sua esposa.

Um peregrino não pode reservar cama para outro, mas com essa história de que eu era sua esposa, a hospitaleira, uma senhora invocada, acabou cedendo. Como chegamos tarde, por volta das 18h, o Fernando acabou ficando sem cama e a hospitaleira, providenciou um colchão no chão, próximo ao outro brasileiro, Paulo.

O Zé e o Fernando foram uns amores e me deram remédios, pomadas e analgésicos para as pancadas. Fiquei com o lado direito do corpo um tantinho avariado: cabeça com corte e com galo, uma mancha roxa enorme no quadril e a pele ralada. Abri meu primeiro dia com chave de ouro. Quando cheguei, a sensação é que a mochila pesava 500kg e confesso que cheguei a pensar que não havia sido uma boa escolha ter vindo para cá.

Tomei banho num contêiner que fazia as vezes de banheiro e saímos, eu e o Zé para jantar. Como as mesas, às vezes são coletivas em alguns restaurantes, acabamos jantando com o Marcel e o Jordi, dois catalães muito simpáticos.

A sorte é que dizem que essa é uma das etapas mais difíceis. Amanhã será outro dia.

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