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Kibo Hut (4.700 m.) / Cume ( Uhuru Peak 5.895 m.)

O Carlos nos chamou às 23h e a ideia era arrumarmos as mochilas, tomar um chá com biscoitos, nos prepararmos para um dia muito intenso e extenso e partir para o cume.

Crédito - Foto Joel Kriger

Crédito - Foto Joel Kriger

Começamos a nos vestir e colocamos as seguintes camadas de roupas: gorro, segunda pele, fleece, roupa normal, pluma e anorak, além das polainas nas pernas e duas camadas de luvas. Isso tudo no tronco e pernas. Estávamos parecendo astronautas e fazia muito frio dentro do alojamento. Com meia e dentro do saco de dormir, eu ainda sentia meus pés gelados.

Usamos o banheiro, já que com esse monte de roupa seria muito mais difícil fazer xixi ou qualquer outra coisa na trilha, terminamos de nos arrumar, pegar água e colocar todos os itens de comida, como chocolates, barras de cereais, géis energéticos, dentro das plumas, próximos ao corpo, pois teríamos que ter acesso rápido e para evitar o congelamento dos mesmos, já que a temperatura seria negativa.

Não poderíamos usar nossos camelback (reservatório de água que fica dentro da mochila), pois a mangueira e o bico congelam, o que impede o uso. Por isso colocamos as águas em squeezes e Nalgenes, dentro dos casacos.

Saímos do alojamento, fizemos um círculo, todos de mãos dadas e o Carlos pediu permissão à montanha para que pudéssemos subir e pediu um minuto de silêncio para todos pensarem, rezarem, meditarem sobre nosso objetivo e para que tudo corresse bem.

Começamos a ascensão à meia noite, e iniciamos todo o processo de subida com os passos curtos, um pé na frente do outro, o que sempre parece muito lento, mas extremamente necessário na montanha.

A subida foi em zigue zague o tempo todo, num terreno feito de pedras e areia, mas coberto pela neve que havia caído mais cedo. Todos estavam em fila indiana, com as lanternas de cabeça ligadas e tínhamos que ficar juntos, sem muita distância entre nós.

Andar à noite é completamente diferente do que é andar durante o dia. Com o dia claro, podemos nos afastar, cada um anda no seu ritmo, pode parar para tirar fotos, ir ao banheiro; mas tudo muda numa caminhada noturna. Como todos estão com a visibilidade limitada e só enxergamos o que o facho das nossas lanternas nos permite, temos que estar juntos, pois qualquer um que se afaste, pode se perder e por isso não pode haver grandes distâncias entre nós.

O Be Host puxou a fila, seguido pelo Ilan, a Arlete, eu, Lucas e os demais. O Carlos e os outros guias africanos foram nos seguindo ao lado da fila, passando por um e por outro para sentir como o grupo estava. Eles subiam e desciam e iam gritando uma espécie de hino e palavras de ordem para nos motivar, porque o cenário pode ser complicado: um grupo andando muito lentamente, um atrás do outro, sem enxergar nada além do facho da lanterna, muito frio e muito esforço físico.

Em determinado momento começou a nevar pesado. Paramos, checamos se todos estavam com os anoraks, bebemos um pouco de água, alguns comeram barrinhas de proteína ou tomaram gel e seguimos muito lentamente. Tudo estava congelado e tínhamos que morder as barras e chocolates com cuidado para não quebrar os dentes.

Cada parada para tomar água ou comer algo, era um exercício, pois tínhamos que tirar as luvas, abrir várias camadas de casaco, retirar a água de dentro da pluma, beber e fazer todo o processo de volta: fecha a água, guarda no bolso, fecha os casacos, põe a luva, pega o bastão e vamos andar. Sem falar que as paradas têm que ser muito breves por causa da temperatura. Não podemos ficar muito tempo expostos ao frio, sem nos movimentar, pois a temperatura corporal cai muito rápido.

Seguimos caminho e eu estava exausta. Um pé na frente do outro já não resolvia o problema e eu continuava ofegante. Tentei diminuir o passo, mas fiquei preocupada de não atrapalhar todo o grupo, pois o ritmo era o mesmo para todos.

Em determinado momento pedi para o Carlos dar mais uma parada, pois estava extenuada e a Arlete virou e disse que já queria parar faz tempo. O Carlos disse para puxarmos um pouco mais, pois fazia somente 25 minutos que estávamos andando desde a nossa última parada. Nessa hora deu desespero, porque eu tinha a impressão de que fazia horas que eu estava andando, tamanho o meu cansaço.

Continuamos caminhando no completo breu, nos movendo como zumbis e subindo, subindo, subindo sem parar e vendo lá no alto, somente os pontinhos de luz das lanternas das outras expedições que haviam saído antes de nós. A neve continuava a cair e o frio era intenso. A todo o momento o Carlos nos mandava movimentar os dedos das mãos e dos pés para evitar qualquer possibilidade de congelamento.

Em um determinado momento, exatamente a 5.400m, um dos guias chegou ao meu lado e disse que ia pegar a minha mochila, pois eu estava muito cansada. Eles já haviam pego a mochila de 5 de nós, pois qualquer peso nessa altitude, é um esforço sobre humano para carregar, andar, subir. Não fiz nenhuma objeção e subi um pouco mais leve.

Durante a subida, em dois momentos, o Ilan teve que parar para vomitar. Estava passando muito mal e além de todo o esforço que estávamos fazendo, ele ainda teve que ser mais forte para superar o mal estar e prosseguir. Todos subiam calados, quase não se ouvia conversa e as únicas exceções eram o Alexandre e o Felipe que ficavam nos incentivando, gritando pelo grupo, para que não desistíssemos.

Depois de um tempo, o Carlos me puxou pela mão e disse que eu estava com ele e com o Be Host e que era para seguir os dois. Eles foram uns amores, me ajudando, subindo bem lentamente e me dando força. O Carlos começou a subir ainda mais lentamente; um passo e uma respiração, um passo e uma respiração e foi então que a minha respiração se normalizou, pois estava bastante ofegante, embora estivesse andando devagar. Consegui restabelecer o controle da respiração e andar com um pouco menos de dificuldade.

Em uma das pedras, o Be Host me deu a mão para me ajudar a subir, disse que estávamos chegando e fez uma virada. Nessas situações, nós normalmente não acreditamos nos guias, pois eles dizem isso para nos incentivar, para não desanimarmos, mas nesse momento, realmente, chegamos ao Gilman’s Point (5.681m.), que é um dos marcos/topos da montanha.

Chorei de emoção e todos começaram a se abraçar e confraternizar, pois uma parte muito difícil já havia sido cumprida. Todos estavam bem, porém exaustos.

A imagem de lá de cima, foi uma das mais lindas já vistas. Estávamos muito alto e o dia começava a nascer, com o sol tingindo de laranja o horizonte e contrastando com o escuro da noite que ainda permanecia. Ficamos um tempo tirando fotos e nos deliciando com a vista, mas não podíamos demorar muito, afinal ainda tínhamos um bom caminho pela frente e o frio era muito intenso. Qualquer parada significava esfriar a musculatura e aumentar a chance da temperatura corporal cair muito e rápido.

Crédito - Foto Alexandre Parker

Desse ponto em diante, a neve estava completamente fofa, e cada passo afundávamos um pouco no caminho marcado pelos que já haviam passado mais cedo, o bastão também afundava e ainda tínhamos um longo trecho nevado. Estava me sentindo um pouco menos cansada, pois essa parte era bem menos inclinada do que a anterior.

Crédito - Foto Alexandre Parker

A visão era linda, mas estávamos todos esgotados pelo esforço feito até então. Um já tinha vomitado diversas vezes, outro estava se arrastando, mas seguíamos confiantes de que conseguiríamos, apesar de todo o esforço despendido.

Crédito - Foto Felipe Soifer

Ao longo do trecho em neve, o dia foi clareando, tudo ficando branquinho e lindo, mas minhas energias começaram a se esvair novamente, a respiração foi ficando ofegante e eu só pensava em chegar e parar um pouco. O vento era muito frio, o que faz a coriza aumentar e com a luva grossa, não conseguimos nem limpar o nariz.

Crédito - Foto Alexandre Parker

Em determinado momento o Gian disse: Caraca, a gente parece um monte de zumbis andando.

E era verdade. Aquela fila indiana, todos caminhando muito lentamente, em silêncio, se empurrando e se arrastando montanha acima.

Chegamos ao cume, Uhuru Peak (5.895m.), às 08h15, depois de 8 horas de um esforço enorme, com um vento muito forte, muito frio e a temperatura por volta dos 6 a 8 graus negativos. Todos se abraçaram emocionados, eu chorei de emoção e de alegria por ter conseguido vencer esse desafio imenso e começamos a tirar fotos.

Crédito - Foto Arlete

Não podíamos ficar muito tempo por causa do vento forte, mas as imagens de cima do cume são inesquecíveis. Por todos os lados, aquele mundo branco, geleiras azuis, pedras despontando entre a neve, o sol iluminando essa imensidão branca e todos extremamente felizes e realizados, embora exaustos.

Descemos do cume por volta das 08h40, afinal como dizem, o cume é só a metade do caminho. Ainda tínhamos um bom chão pela frente.

Crédito - Foto Felipe Soifer

Durante toda a subida, tomei muito pouca água e não consegui comer quase nada, a não ser uma barra de chocolate, que estava congelada. Apesar do esforço, não sentia fome e fazer todo o processo de tirar as luvas, tirar a mochila, abrir o casaco, pegar a água ou alguma comida era extremamente cansativo e complicado.

Depois de diversas fotos, começamos a descer rapidamente. Um dos guias foi na nossa frente e impusemos um ritmo bastante forte, afinal queríamos voltar logo e chegar ao acampamento. A subida tinha sido muito longa e estávamos cansados, precisando descansar.

Crédito - Alexandre Parker

Crédito - Foto Alexandre Parker

Quando estávamos em Stella Point (5.739m.) tirando fotos, o Alexandre chegou, disse que não estava bem e desmaiou. Ele já estava se sentindo fraco desde a subida final até o cume, mas achei que tivesse melhorado. Levamos um susto, mas por sorte, o Joel, o Ilan, o Felipe e o Gian estavam lá e conseguiram ampará-lo. Deitaram-no no chão, começaram a tirar câmera fotográfica, água e aos poucos ele voltou a si.

Nisso o Carlos e o Be Host chegaram e eles nos mandaram descer e disseram que cuidariam dele. Deixamo-lo em boas mãos e seguimos descendo, montanha abaixo, em ritmo acelerado.

A descida também foi difícil, longa e cansativa, além de exigir muito dos joelhos, que no meu caso, são um problema. Em determinado ponto tivemos que “esquiar” a terra e areia, pois não há como se firmar no terreno instável e fofo. Demoramos um bom tempo e chegamos de volta ao acampamento Kibo, às 11h15, exatamente 11 depois de termos iniciado todo o percurso. Apesar de cansativa, o que levamos 8 horas para subir, descemos em 2 horas.

Crédito - Foto Luis Felber

Crédito - Foto Luis Felber

Estávamos exaustos e ao chegar ao acampamento começamos a arrumar as coisas, pois teríamos apenas 1 hora de descanso para descer até o acampamento Horombo Hut. Já tínhamos ficado muito tempo em altitude e isso não é bom. Aos poucos todos foram chegando e por volta de 14h começamos a descer. O Alexandre estava bem, embora um pouco fraco, o Ilan e o Antônio que tinham passado mal e vomitado, também estavam melhor e seguimos nosso caminho.

Aceleramos o passo, pois queríamos descansar e ainda tínhamos um bom caminho pela frente. Retomamos a paisagem lunar do deserto alpino embaixo de chuva, que nos acompanhou por quase todo o percurso de volta. O que havíamos feito em torno de 5 horas na subida, voltamos em 2 horas. Estávamos acelerados, sedentos por chegar, poder parar e descansar.

Chegamos a Horombo Hut por volta das 16h30, ensopados, cansados, mas agraciados por um belíssimo arco íris que “abraçava” o acampamento.

Levamos todo o equipamento e roupas molhadas para dentro das cabanas e depois fomos almoçar por volta das 18h. Ficamos conversando no refeitório, fizemos o pagamento das gorjetas de toda a equipe que nos acompanhou e o Be Host pediu um depoimento de cada um para saber como havia sido toda a expedição, o atendimento da equipe, a alimentação, etc. Todos falaram e depois eles também deram seus depoimentos. Foram muito simpáticos, dizendo que éramos como uma família, que éramos muito queridos, um grupo muito simpático, afável, etc.

Após as confraternizações, eles cantaram o “hino do Kilimanjaro” e o Felipe dançou com eles. Depois pediram que cantássemos alguma música brasileira e todos arriscamos um Gonzaguinha (“Viver e não ter a vergonha de ser feliz...”).

Fomos dormir por volta das 21h, exaustos, mas completamente realizados e felizes. Fazer mais de 12 horas seguidas de muito esforço físico não é fácil e exige não só do corpo, mas também da mente.

Fiquei muito feliz porque todo o grupo, que é muito especial, cumpriu seu objetivo, todos chegaram ao cume. Uns sofreram mais, outros sentiram menos, mas todos foram guerreiros, foram determinados e vencedores. Muito bom fazer parte de um time com essa energia, essa garra e vontade.

Crédito - Foto Felipe Soifer

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