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Ponto de partida (5.000 m.) / Cume (5.642 m.)

O Carlos nos chamou à 0h45. Levantamos, começamos a nos arrumar, vestir todas as camadas de roupa (primeira pele, fleece, pluma fina, anorak, pluma grossa, meia, luva fina, depois colocaríamos a luva mitten, gorro, cadeirinha, mosquetão) e fomos tomar café às 2h, já que teríamos que estar prontos às 2h45 e Ekaterina não admite atrasos, pois se não estivermos na hora combinada, o snow truck, que nos levaria ao ponto de partida, vai embora.

Todos prontos e vestidos, nos reunimos de mãos dadas para o Carlos fazer a tradicional prece pedindo permissão à montanha para alcançarmos nosso objetivo e voltarmos bem e em paz para casa. É sempre muito emocionante para mim sentir todos juntos, irmanados na mesma emoção, lágrimas nos olhos, coração aos saltos, cabeça focada e muito desejo de que tudo corra bem para todos.

Pegamos o snow truck e fomos esmagados uns contra os outros pela força da subida e chegamos aos 5.000 m. por volta da 3h30 quando começamos a caminhar.

Estava frio, mas suportável, ligamos nossas headlamps e partimos montanha acima. Caminhar no escuro, para mim, é um exercício difícil, pois sempre me sinto angustiada na escuridão, no silêncio, ainda que esteja cercada de gente, mas nessa montanha foi diferente. Não senti incômodo em nenhum momento e me sentia 100% focada e forte, concentrada nos meus passos e no objetivo presente em meu coração.

Eu, Thaís e Emerson fomos juntos, liderados pelo Dima. Fomos seguindo passo a passo, devagarinho, um atrás do outro, na mesma energia, ganhando altitude e confiança. Como disse anteriormente, não tive em nenhum momento aquele início de pânico que já havia tido nas outras montanhas por conta do escuro e me sentia muito feliz por isso. Acho que já estou entendendo como eu funciono na montanha e ter conhecimento das minhas limitações me faz mais forte e capaz de superá-las.

O dia começou a amanhecer lindamente, tingindo o horizonte azul escuro de laranja. É sempre lindo ver o dia nascendo de grandes altitudes. A gente se sente merecedor desse espetáculo e sempre me sinto mais perto de Deus e grata por estar onde estou.

Fizemos poucas paradas, pois estava ficando bastante frio e não podíamos perder calor. Quando chegamos ao colo, que era um ponto de descanso, o vento começou a aumentar significativamente e junto com as rajadas, vinham lufadas de flocos de neve que doíam quando batiam no rosto.

Chegamos ao ponto das cordas fixas, clipamos nossas solteiras e nesse momento meu bastão escapou das minhas mãos e escorregou montanha abaixo. Acabei andando só com a piqueta e me segurei nas cordas, já que tinha um declive imenso ao lado. Só que essa posição doía as costas por ter que ficar mais abaixada e andar sem bastão nessa parte é perigoso e tenso.

Fomos seguindo devagarinho, um atrás do outro e em determinado momento um dos meninos levou um tombo, também deixou o bastão cair e levou um tempão para levantar, se arrumar e voltar a andar. Ficamos um tempo parados nas cordas. Depois em outro trecho, foi a vez de outro travar e não sair do lugar, não sei se por medo ou cansaço. O guia russo gritava em inglês: move, move...e ele não saía do lugar. O Carlos chegou e o ajudou a andar.

Mais um pouco à frente e minha amiga me falou que estava com medo e deu uma freada. Eu estava atrás dela e falei para fincar o crampon e seguir, mas ela diminuiu o ritmo consideravelmente. O Dima percebeu e veio ao encontro dela. Quando ela disse que estava com medo, ele clipou a solteira dele e subiu encordado a ela. Me perguntou se eu estava com medo e como eu disse que não, seguimos.

Existe um bom trecho em corda fixa e depois que terminou demos uma parada para hidratar e comer. O vento estava muito forte e fazia muito frio, com rajadas que nos desequilibravam na trilha e neve caindo e entrando em todos os cantos. Todos ficamos brancos, cobertos de neve.

Em alguns pontos o tempo estava tão fechado, com whiteout, que é o branco total, que enxergávamos muito pouco à nossa frente.

Eu estava muito bem, mas comecei a me sentir cansada quando faltavam 50m para o cume, na subida final que não é tão íngreme, mas aí notamos como a cabeça interfere. Eu estava tão focada, que não havia parado para pensar em cansaço, mas quando disseram que faltavam “apenas 50m”, relaxei e aí o cansaço veio depois de tantas horas de caminhada com ventos muito fortes e por subidas íngremes.

Chegamos ao tão esperado cume da montanha mais alta da Europa às 9h30, depois de 6h de caminhada, com um vento inclemente, todos cobertos de neve e com muito frio. Os ventos tinham de 60 a 70 km de velocidade e a sensação térmica era de -25°.

Com uma ameaça de tormenta, o Carlos mal nos deixou tirar fotos e como chegamos praticamente juntos com um grupo de japoneses, acabei abraçando mais pessoas do grupo deles do que do meu, porque com tanta roupa e viseira, às vezes nem nos reconhecemos. Cumprimentei apenas 3 pessoas do meu grupo, consegui tirar uma foto na pedra que é o marco do cume e já começamos a descer. Não conseguimos ficar nem 5 minutos curtindo nossa conquista, mas não dava para ser diferente diante daquele clima.

A descida foi, obviamente, mais rápida, mas nem por isso menos cansativa. Encontramos com outros grupos que foram impedidos de subir pelos guias russos por causa do tempo e agradeci muito termos tido tempo para alcançar o cume. Se tivéssemos demorado um pouco mais, talvez não pudéssemos ter subido também.

Fomos descendo encordados em grupos de 3, pois passar pelas cordas fixas na descida pode ser tenso. Paramos em um ponto para descansar e eu e a Thaís fomos fazer xixi, com zero de privacidade, pois era uma planície com pessoas de outros grupos além do nosso. Nessas horas a vergonha vai embora e você passa a relevar coisas que no dia a dia nos atrapalham. Parece tão simples fazer xixi, mas depois de todo o esforço, tirar aquele monte de roupa, naquela altitude, me senti muito cansada e preocupada, pois os meninos já estavam hidratando e comendo quando consegui voltar para o grupo.

Me joguei no chão exausta e o Serge, que estava comigo na corda, me ofereceu chá e me deu uma barra de chocolate congelada. Achei tão fofo e aceitei, pois, além da atitude bonita, me facilitaria não ter que abrir mochila, procurar algo para comer, pegar água. Tudo muito simples, mas em alguns momentos na montanha, isso pode despender uma energia que já não temos.

Depois de comer, me levantei e comecei a andar, agora sem corda, pois já havíamos passado pelo pedaço mais exposto da montanha. Alguns do grupo já tinham seguido na frente e fui seguindo lentamente, pois estava cansada, sem olhar para trás, focada em chegar. Em um ponto a Ekaterina estava atrás de mim, pedi para ela tirar foto, pois não havia tirado nenhuma foto até então, exceto a do cume. Ela passou por mim e quando me dei conta e virei para trás, estava no meio de um grupo de russos, sozinha, sem o meu grupo.

Saí da trilha, deixei o grupo passar, diminuí o passo e fui seguindo. Logo depois foram chegando outros do meu grupo, passando por mim e continuei a caminhar. Thaís se juntou a mim e fomos descendo juntas. Logo mais à frente vimos o snow truck parado e deu um gás maior caminhar para chegar lá e poder descansar. O engraçado é que eu andava, andava, andava, exausta e nada de chegar no caminhão. Já estava andando por inércia.

Assim que cheguei, tirei a mochila e subi no caminhão para descansar. A Ekaterina, o Stefan, o Arthur e o Maurício já haviam chegado. Esperamos pelo restante da turma e partimos montanha abaixo até os leaprus, presos pelas solteiras para não escorregarmos e cairmos com a força da descida.

Infelizmente com o tempo feio e fechado não tivemos uma visão da montanha e seu entorno, o que é sempre um presente para os olhos e a mente depois de tanto esforço físico.

Chegamos ao leaprus, nos desmontamos, guardamos tudo e logo depois fomos almoçar todos felizes e realizados com a nossa conquista. Todos estavam bem, naturalmente cansados, mas sem nenhum problema ou intercorrência.

Ficamos por ali, arrumando as coisas, descansando, depois jantamos e fomos deitar para o nosso merecido descanso.

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